quinta-feira, 29 de maio de 2008

O amor que definha

...

"As pessoas são primeiramente conquistadas, tanto uma como a outra, a partir daí uma flor cheia de espinhos nascerá no peito delas. É linda, em esplendor e formosura, mas devemos manuseá-la com cuidado, um simples arranhão destes espinhos manifestará um intenso sentimento que as transformarão de uma forma estranha, aconchegante, um calor indivisível tomará conta delas. Ele as fará pessoas desconhecidas para si mesmas, devido à forma encantadora que lhes é revelada. A seguir, terão medo do porvir, medo de se definharem pelo efeito da flor, virão as dúvidas, virão as pessoas... as más, a flor também dispertará a inveja, tudo o que é belo a dispertará aos olhos feios dos que a obcecam.Mas o que realmente terão é medo de mergulharem num jardim cheio de outras daquela, num solo que se chama amar e, de fato, a flor que tanto as encantaria, padecerá." Álvaro Alves

terça-feira, 27 de maio de 2008

ESTRANHOS EUS.

Tenho mania de olhar
para trás e não me reconhecer
nos meus passados...

De olhar para esses
e fugir assustado,
sem dar conversa
a nenhum de meus estranhos.

Esses meus vagam sem lar.
Múltiplas vezes,
Fujo de casa
Fugindo de mim!

ESPARTA-ATENIENSE

Sou Esparta- ateniense
Ora Esparta, ora Atenas.
Sou guerreiro e sou poeta
Ambíguo nesses mundos.

Confundo-me entre minhas culturas,
Meus gestos e conjecturas.
Ateniense em batalha,
Espartano à arte que me talha.

Mutante, ou sem personalidade
Sigo nas duas cidades,
Estas que são pensamentos,
São contradições.

Sou Esparta- ateniense
Sei guerrear e pensar.
Descobri o ódio...o poetizei.
Fiz-me forte e esperto,
Livre, ... talvez perdido.

CIRANDA

Peço a Deus por favor,
Dê ao povo a alegria.
A alegria da poesia,
Poesia que alegra,
Que é apenas poesia.

Dê a todos
Um banho de sabedoria.
Poesia que, sem sabedoria
É palavra vazia.

Dê aos governantes
Poesias itinerantes.
As que vagam amantes
Nos seios distantes
Do povo esperançoso.

Dê as crianças
Poesias de ciranda.
Para cravarem em si
Lembranças da infância
Infância da criança
Que jaz em ti!

DIA EU, DIA ROSA

Senti-me como sentem as rosas
- Invejo a formosura e pureza
Que me envolvia o Éden.

No jardim divino cresciam belos os roseirais
Minto! Nunca vi teus campos matinais.
Sou rosa invejosa!

Criei defesas e espinhos,
Afastei-me de meus mentais redemoinhos,
Das dores minhas amorosas.
Senti-me como sentem as rosas.

MINHA POESIA, QUADRADA

Minha poesia quadrada,
Crescendo preguiçosa
Esqueceu dos redondilhos
Alimentando-se de prosa...

Minha poesia quadrada,
Sem eira nem beira
Quicando verso em verso
rua abaixo nas escadas,

Minha poesia calada,
Tímida, e medrosa.
Não há fôrma que a mude,
Não há pão que a assemelhe,

Minha poesia levada,
Pré-adolescente, e curiosa
Procurando entre as saias
As entranhas das palavras!

VERBO INTRANSITIVO

Vivo estático.
Em meus pensamentos
eu os observo correr
Correr, correr, correr...

Eles passam
E nem sequer há comprimentos.
Só à noite estou em mim
E eles lá fora correndo,
Correndo, correndo, correndo...

Vivo em conflito árduo
Entre os seres pensativos
De meu ser, meu verbo intransitivo!
Me dilaceram,
Tempestuosamente.
Repetidamente..

Passam,
Os pensamentos passam,
E o tempo passa também.
A imaturidade se desfaz
Desfaz-se a maturidade também.

ROUXINOL

Sob o fulgor do sol
Faz belo o canto de alegria,
Na mente nostalgia.
O cântico do Rouxinol.

Que dos bosques é anfitrião
Dos meus ouvidos um alento.
O cântico do Rouxinol
Foi se indo em desalento
Nos caminhos da imensidão...

Suas poesias já passaram.
Como as minhas passarão.
És me vago o teu canto,
Mas belo o teu pranto
No canto de pássaro bom.

REFLEXÃO DE FIM DE VIDA (UM VELHO CAFEICULTOR)

Devo minha riqueza
A Deus e aos homens.
Cultivo meu café,
Cultivando grandeza.

Saqueei-me os princípios
Esqueci dos particípios.
De servil nada tinha meu ofício
A inutilidade cobria-me de suplício.

Admirei o bom fútil
Acariciei-os com mãos trêmulas
Obcequei-me com o vil.
... mas vendi meu café!
De tal modo perdi minha fé.

Dos grãos, na mesa meu pão
Dei vida a minha cafeicultura.
Do povo, no luxo vão,
Transbordei-me de fortuna!

POEMA SEM TÍTULO,COMO EU

Sou como quem nasce.
- Indiferente é o brilho da luz.
Mente de incertezas jus!

Sou como quem nasce.
Sei fingir como quem não ama
Como quem, de fato, não lhe amasse!

Sou como quem nasce.
Amo-te e não posso dizer
Não posso porque não sei.
Mas como quem cresce, hei de aprender
Não com palavras, mas com o meu ser.

POEMA DE REFLEXÃO

Se algo me espanta
É o rumo das coisas!
Todo o desfecho
teatral do futuro.

As moças: só os cotovelos!
Óh! Anos quarenta!
As meninas de biquíni,
Ah!...Copacabana!
Nuas! Aos repúdios alheios.

Se algo me espanta
É o rumo das coisas!
É o hoje não as tornar
Tão putas e diferentes
como outrora.
Pois é só o que existe agora:

Meninas de biquíni
E moças aos cotovelos!

O brasileiro

Discuto como ninguém
-Sobre o nada-
Dessa discussão
Não tiro um vintém.
Mas insisto!
Um dia vem...

Discuto sobre museus
Feito as obras de Picasso
Narcisistas, cheias de si!

Discuto como todos,
Ajo sobre nada.
Sem meus pés
Caminho pela estrada...

O POETA E O MUNDO

Pensam poetas como sábios
Não sabem dos equívocos,
Nem imaginam suas dores.

Atam-se num mundo apático
Diagnosticando seus males.
Sentado aqui, e no alto vale
Um estático édipo é.

Poeta: escravo do entender de si.
É de espírito, um estado.
Imutável. Utopia.

A poesia é viva, ele não.

O MENINO E O PAI

As tensões de minha vida
Tomam de preocupações,
O peito menino e o pai.

Contas de tabuada,
Contas mensais.
Geladeira cheia é alegria,
Peito cheio de meu pai.

O futuro vem discreto,
Da artimanha que se tem.
Esse menino que sonha,
É aquele que dorme bem.

Escancarar-me-ei de risos!
Sempre fronte como aquela
Criança a fadigar o tempo...

Nos sorrisos que sorrirei
Encontrarei o mais singelo porvir.
Abrirei a porta da sala, já crescido, e direi:
- Pai, agora já pode dormir.

O BOM JOVEM

Não me afogo nas certezas das convicções
O que me atrai é a beleza das contradições.
Com teu olhar aconchega e me trai.
Que me ama e desconforta. Depois se vai.

O que se tem a dizer sobre as rosas?
Responde a boa senhora: São belas, formosas!
Retruco: São pobres e horrorosas!
Não tem nada a não ser fragilidade,
Aparência. Como pede a modernidade.

O que se tem a dizer sobre as drogas?
Responde o bom senhor: Vicia, sim vicia!
Retruco sem espanto: Velho drogado!
Não vê que a realidade o ludibria?
Não vê o destino em que foi rogado?
Se perder em flashes de falsa alegria
- O extasy da nostalgia.

MOINHOS DO TEMPO

Moinhos de vento...
Moinhos abismados com o tempo.
Tempo que balança ninhos
Tempo de crianças, sem bonecas e carrinhos.

Tempo que assusta, causa dor
Roda o moinho rodador
Moinho este que é mundo
Roda, roda num segundo.

Moinhos do tempo...
Furiosos com o ofício do vento
- A tempestade o faz girar
E padecer no mesmo lugar -

No céu negro sem lampião...
Lá se vai o trigo e vem o pão.

MANUAL DO AMOR

Sim... Idealize teu amor.
Os pensamentos são intocáveis.
E o universo, um mundo seu.

É o amor materializado,
O silêncio da perfeição.
Fogo ardente da vela
Queimando em degradação.

O vento desgasta as coisas,
E são carícias à dor
Um universo de raposas.

Nas algemas dos sentidos,
Nossos corpos são, do espírito,
Uma lúgubre prisão.
Assim, ama-me com a alma
Não com o teu coração.

MÃE-NATUREZA

Existem mensagens no seio da deusa.
O vento e a chuva
Espalham o cheiro
De seu ventre.

Pensamento onisciente
O trilho e o trem.
Olhar concentrado.
Contido. Observando
As incoerências da vida e dos amigos.

Um momento de
reflexão!

Um devaneio qualquer...

HETERÔNIMOS

Admiro todos os poetas,
Os cheios de projeções.
Fazendo-se de rimas espertas,
A cantarolar as variações.

Faço poesias das quais
Não sei o por que.
Meus temas nem mais
Sei saber.

Dentro de mim
Mil heterônimos
Lutam entre si,
E tornam, sem sair,
Outros anônimos.

A arte de se multiplicar
Esbanja, extravasa
E se perde além de mim.
A tabuada nunca foi meu forte
Multipliquei-me sem fim.

FLOR DA MENINICE

Cada centímetro adiante,
Por estes campos invioláveis
Parece-me antes percorridos...

O cair da noite por aqui
Toda essa sinfonia
Das árvores em orquestra,
Invade-me os ouvidos!

Lembro do tempo menino.
Dos contos de lobisomens
Do quarto escuro,
Do medo dos homens.
Flor da meninice.

Os olhos estupram a paisagem,
Mais ameaçadores são os arbustos
Olhando sinuosamente.
Retorcidamente.

A música se intensifica!
...

-Pai, já chegou?

DAS LEMBRANÇAS E DO PASSARINHO

Comprimento meus amigos,
A muito esquecidos, dizendo-lhes:
Saudades daqueles tempos!

As amizades são como pássaros
Atravancados em tropeços,
Que caem, se ajeitam e vão,

Vão sempre sem ninho
E sem o ter, foi-se o passarinho.

Eu,hei de desaparecer...
Como ele... De fininho!
Pelo varrer do vento...
Ou pelo tempo da rima.

CONTRADIÇÕES DO CORAÇÃO

Ela disse-me: Te amo!
Deixei escapar o também.
Boca apressada! É a segunda vez.
Será que tu queres meu bem?

Ela disse-me: Te amo! ...
Deixei escapar o também.

ARTIMANHAS DA VIDA

Fiz-me de flores
A minha vida, das pétalas.
E uma a uma
Desprendiam de mim.

Fiz-me de flores
Minha vida se enchia de sentido
Sentia-me tão bem! Senti-me também.
Era como parte existente. Corpo contente!
E as pétalas – uma a uma –
Se desprendiam de mim.

Fiz-me de flores,
Os raios de sol irradiavam a mim
O astro-rei tornava-me clarão,
Majestosa luz à imensidão sem fim.
E as pétalas – uma a uma –
Se desprendiam de mim.

Fiz-me de flores
- Meu perfume, minha luz, e minha vida.
Fadado a murchar – pouco a pouco –
Roubaram-me os insetos, o sol, e a essência
Querida .Como alguém que desmerece a existência,
Não quisto pelo destino que se finda.
E as pétalas – uma a uma –
Se desprendiam de mim.

Fiz-me de flores,
E das flores fiz-me rei.
Alumbrado nos tons de minhas cores
Perdi-me nos campos que subjuguei.

E as pétalas – uma a uma-
Se desprenderam de mim...

AOS POETAS, A LICENSA.

À professora Nandes, que ensiste em dizer que apenas os poetas de classe tem a tão almejada licensa poética.

Quero a licença poética!
Quero dizer se com i
Como diz Mário de Andrade.

Quero a licença poética!
O fim da metódica verbética,
Da mesmice como estética,
Da pré-maturidade de um vinda velhice,
Dos sapos de Manoel Bandeira.

Das algemas da gramática, o veto!
Do maior poeta ao menor analfabeto.
Quero a liberdade do Português,
Da língua de meu povo
Não dos lusitanos reis.

Quero a licença poética!
Pois todos nascem poetas,
E se perdem na procura
Daquelas palavras corretas.
Se perderiam,
Não perder-se-iam.
Iriam dar e não dar-te-iam
a revolução,
A independência da língua!

ANÁLISE CRÍTICA INFANTIL

Não sabemos viver
Não sabemos correr
Nos tornamos feios e gordos
E nossos filhos riem de nós.

Passa-se a vida,
Trocam-se os pratos,
Nunca perdemos a mania
De calçar sapatos.

Somos um bando de bobos
Esperando a mesa de bar
Tomar forma e nos enferrujar.

Somos flores fúnebres,
Que seriam trágicas
Se não fossem pra entediar...

Afeto

Li a mensagem de afeto
De uma menina ao amigo.
Confesso, tive inveja!
Não dela. Nem dele até.
Mas tive da amizade.

Toda a ternura ali,
Imóvel e constante.
Quatro palavras juntas
Entreolhando-se amantes...

És meu melhor amigo.